Imigrante
italiano e anarquista exaltado, Oreste Ristori tornou-se figura conhecida no
movimento oper�rio brasileiro das primeiras d�cadas do s�culo XX, depois de
uma vida tumultuada j� como militante das lutas libert�rias da regi�o da
Toscana, na It�lia, ao final do s�culo XIX. Nascido no vilarejo de San Miniano,
na Toscana, em 1874, esse militante do ideal anarquista, depois de uma r�pida
passagem por Buenos Aires, desembarcou em 1904 no porto de Santos,
estabelecendo-se na cidade de S�o Paulo, onde seu nome, em breves anos,
tornou-se uma lenda entre os oper�rios.
�
a vida desse imigrante que Carlo Romani, professor universit�rio e
ex-pesquisador do Museu da Imagem e do Som, de S�o Paulo, tra�a em seu livro Oreste
Ristori: uma aventura anarquista, originalmente uma disserta��o de
mestrado apresentada � Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 1998.
Uma vida sem gl�ria, que ficara esquecida nos jornais e velhos documentos que
repousam em arquivos t�o distantes uns dos outros, como os de Campinas, S�o
Paulo, Rio de Janeiro, Montevid�u, Buenos Aires, Roma, Mil�o e Empoli - todos
consultados por Romani - e na mem�ria de alguns raros remanescentes daquelas
lutas que o autor ainda p�de encontrar.
Por
isso, o que o leitor encontrar� neste livro � a reconstru��o da vida de
Oreste Ristori, desde os primeiros embates em sua terra natal, a longa viagem de
navio at� Buenos Aires, as palestras apaixonadas que fez em pequenas cidades do
interior argentino, a sua fuga para Montevid�u, onde se apaixona por Mercedes,
aquela que seria a sua companheira de toda a vida, at� a sua deporta��o pelo
Estado Novo de Get�lio Vargas e o ex�lio for�ado na It�lia - se � que se
pode chamar de ex�lio o retorno � terra natal.
Ao
recuperar a hist�ria de vida de Ristori, Romani, com sua extensa pesquisa, traz
� luz tamb�m as rela��es tecidas pelo movimento anarquista entre diversos
pa�ses, as formas de solidariedade e de amizade constru�das por homens e
mulheres devotados � causa, as alian�as pol�ticas como maneira de
sobreviv�ncia, o ex�lio como �nica sa�da para escapar ao encarceramento em
pris�es abjetas, ao lado de criminosos comuns e totalmente desprovidos de
qualquer ideal.
Romani
recupera ainda hist�rias saborosas de Ristori, como aquele epis�dio que se deu
por ocasi�o das festas da vit�ria da Revolu��o de 1930, quando o tenente
Jo�o Alberto e Oswaldo Aranha compareceram ao Teatro Colombo, no Largo da
Conc�rdia, em S�o Paulo, no bairro oper�rio do Br�s. Naquela noite, Ristori,
aos 56 anos, um tanto afastado dos embates pol�ticos, depois que todos os
oradores j� haviam falado, apoiado em sua insepar�vel bengala, levantou-se da
plat�ia, enquanto na outra m�o segurava entre os dedos o seu indefect�vel
chap�u coco.
Como
o chap�u era redondo e inteiramente negro, semelhante a uma bomba de dinamite,
a plat�ia come�ou a se levantar e a correr para os fundos do teatro. Ristori,
ent�o, ergueu os bra�os e pediu: Posso falar? Refeita a calma, subiu o
anarquista ao palco e, em meio aos risos da plat�ia, come�ou o seu discurso.
A
uma �poca em que, em companhia de Mercedes, parecia caminhar para uma velhice
tranq�ila, depois de uma vida incans�vel, sempre divulgando o ide�rio
anarquista, fundando jornais, fomentando greves, atuando em muitas frentes de
combate � explora��o capitalista, quando se iniciava o processo de
industrializa��o do Brasil e, mais especificamente, da capital paulista,
Oreste Ristori n�o se cont�m e volta a atuar decisivamente, aliando-se a
outras for�as da esquerda, como o Partido Comunista Brasileiro e a Alian�a
Nacional Libertadora, na tentativa de impedir a aproxima��o do governo de
Get�lio Vargas aos pa�ses do Eixo.
Assim,
pouco depois da pris�o de Lu�s Carlos Prestes, o principal l�der comunista,
em mar�o de 1936, � a vez de Ristori de voltar � pris�o, em abril. Ao mesmo
tempo, sai uma portaria do Minist�rio da Justi�a e Neg�cios Exteriores
determinando a sua expuls�o do pa�s. Na pris�o, os comunistas quiseram
fili�-lo ao Partido com o objetivo de lhe garantir um salvo conduto
internacional para que pudesse desembarcar em algum porto livre, mas o
libert�rio incorrig�vel n�o se deixou submeter a uma doutrina t�o r�gida
como a do PC.
Assim,
em 5 de junho de 1936, Ristori, do conv�s do vapor Augustus, de bandeira
italiana, olhava a mesma paisagem exuberante que vira pela primeira vez quando
chegara ao porto de Santos, trinta e dois anos atr�s. Menos de vinte dias
depois, j� estava em G�nova, seguindo para Empoli. L�, pediu para mudar-se
para Livorno, onde dizia ter maiores possibilidades de empregar-se em alguma
f�brica tintas, of�cio que aprendera no Brasil. Mercedes ficaria em S�o Paulo
e nunca mais o reencontraria.
A
mem�ria de alguns velhos conta que Ristori participou da Guerra Civil na
Espanha, embora o autor admita que essa possibilidade n�o foi confirmada por
nenhum documento. O que se sabe � que Ristori em 1937 foi para Paris, talvez
pensando num retorno ao Brasil. Desde que sa�ra do pa�s, n�o deixara de se
corresponder com Mercedes, que, de alguma forma, sempre encontrava um meio de
socorrer-lhe com dinheiro. Mercedes admitiu at� a possibilidade de embarcar
para a Europa a fim de se juntar ao marido, mas nada deu certo. A �poca era de
incertezas, com o crescimento no nazismo na Europa. Logo, em fun��o da Guerra,
at� as correspond�ncias internacionais seriam bloqueadas.
Sem
possibilidade de retornar ao Brasil, Ristori voltou para Empoli, onde decidiu
reconstruir a vida, morando perto do local onde nascera. Moraria em Empoli at�
ser preso na manifesta��o ocorrida logo ap�s a queda de Mussolini, em julho
de 1943. Em dezembro, seria fuzilado em Floren�a por hordas fascistas.
Mercedes, uma uruguaia pequenina, de vontade f�rrea, morreria em S�o Paulo em
1949.