"No meio do caminho tinha uma pedra..." Carlos Drummond de Andrade
A arqueologia da pedra ainda parece encantar: sua presen�a em s�tios antigos onde se busca a hist�ria indica a passagem de um Homem criador, inventor de ferramentas transformadoras da Natureza e gerenciador socialmente organizado do meio-ambiente. Felizmente, para nosso al�vio, o desenvolvimento da ci�ncia da Arqueologia nos permite ir al�m e buscar outros registros mais diversificados da passagem do homem pela hist�ria, mas a pedra, essa que dura (mesmo que seja uma pedra epistemol�gica), parece estar sempre no caminho da investiga��o arqueol�gica.
Parece haver um consenso entre as ci�ncias do homem sobre a id�ia de civiliza��o que se assenta em alguns pressupostos como por exemplo a presen�a do Estado. Para tanto, basta-nos uma recorrida a um dicion�rio de etnologia para buscarmos, por exemplo, o conceito de civiliza��o, ent�o teremos algo como
entende-se muitas vezes por este termo o estado a que chegaram certas culturas no decurso da hist�ria humana. Para certos autores, uma civiliza��o distingue-se de uma cultura pela apari��o da cidade (qualificada por vezes como 'revolu��o urbana'), centro de actividades cerimoniais, econ�micas e pol�ticas. Ver por exemplo Childe (1954). Falar-se-�, por exemplo, de civiliza��es pr�-colombianas (Astecas, Inca, Maia, etc.), de civiliza��o chinesa, de civiliza��o ocidental, etc., mas de cultura Dogon, de cultura Pueblo, de cultura Trobiandesa, etc. Naturalmente, esta distin��o � cada vez menos tomada em conta, dado que a maioria dos etn�logos considera que n�o h� diferen�as substanciais, ou ontol�gicas, entre cultura e civiliza��o (PANNOF, Michel; PERRIN, Michel, 1973).
Mesmo com a advert�ncia etnogr�fica sobre a invalidade de separar os conceitos de cultura e civiliza��o, ainda assim, nos livros de Hist�ria de nossas escolas atuais, somos capazes de ler sobre a civiliza��o eg�pcia (que uma certa historiografia ocidental nos fez esquecer que � tamb�m africana), sobre as civiliza��es da Mesopot�mia, da civiliza��o grega e romana, e sobre China milenar (curiosamente todas Estados organizados). Em contrapartida, por exemplo, � pouco prov�vel vermos nos comp�ndios escolares algo como a Civiliza��o Shona.
Constitui-se, portanto, numa civiliza��o, aquela sociedade ou cultura em que para al�m de elementos tais como cultura urbana, escrita, divis�o da sociedade em classes, especializa��o e diversifica��o de profiss�es, diversifica��o da economia apresente uma institui��o maior que as organiza em torno de um territ�rio espec�fico e sob o mesmo regime pol�tico: o Estado. Temos a impress�o que em muitas das vezes o m�nimo m�ltiplo comum da ideia de civiliza��o seja o Estado. Logo, o empenho, no nosso entender, que ao investigar o passado dos povos africanos (o exemplo de que trataremos) alguns cientistas sociais, historiadores, arque�logos, etn�grafos, busquem a presen�a do Estado ou o seu antecessor o Estado pr�-hist�rico, sua g�nese e desenvolvimento como fator relevante para reconhecer a civiliza��o entre os africanos. Este campo de investiga��o � um terreno que propicia debates ideol�gicos intensos, e muitas das vezes sem nos apercebermos estamos no meio de um. De qualquer forma, a hist�ria das civiliza��es que habitaram no passado a �frica subsaariana demanda uma investiga��o inter e transdisciplinar sendo que cada ci�ncia de investiga��o cumpre com um papel relevante. Nesta perspectiva, o papel desempenhado pela arqueologia torna-se revelador para mapear os tra�os civilizacionais do continente.
O caso apresentado, a hist�ria do surgimento do Estado Shona, s� poderia ser iniciado com bases nas escava��es elaboradas nos mais diversos s�tios arqueol�gicos sendo o do Grande Zimbabwe um dos mais reveladores.
Nosso trabalho se constituir� numa pequena an�lise cr�tica sobre a quest�o da origem e do modelo de forma��o do Estado Shona. Para tanto, duas obras foram fundamentais para nossa interpreta��o: a obra �The evolution of the Prehistoric State� de Jonathan Hass e a disserta��o de doutorado �Gen�se et structure des royaumes Zimbabw�-Monomotapa: organization �conomique, �tat et symbolique dans les soci�t�s shonas� de Jos� A. Orta da Encarna��o, al�m de outros textos. Os dois autores em quest�o trabalham em campos diferenciados do conhecimento, o primeiro dentro da perspectiva arqueol�gica e o segundo dentro da sociologia marxista.
Jonathan Hass introduz a quest�o sobre as pesquisas da origem e desenvolvimento do Estado levando em considera��o duas vis�es sobre o fen�meno: a vis�o da antropologia cultural e a da arqueologia, sugerindo que se deve buscar uma s�ntese entre estas duas vis�es para termos uma maior compreens�o da hist�ria do Estado. A linha principal de investiga��o do trabalho de Hass assenta-se na busca da evolu��o de um estado pr�-hist�rico forjado dentro do modelo de oposi��o das sociedades criado pelo cientista pol�tico David Apter: modelo de integra��o e de conflito (HASS, 1982, p.19).
Encarna��o analisa a hist�ria do Estado Shona sob uma perspectiva sociol�gica que investiga a natureza das estruturas sociais e recupera o ponto de vista do modo de produ��o asi�tico, por ele rebatizado de modo de produ��o tribut�rio, para explicar a origem da acumula��o de riqueza no interior da sociedade. Segundo o autor, sua finalidade � descentralizar do ponto de vista euroc�ntrico a an�lise do modelo do Estado Shona buscando reconhecer suas especificidades (ENCARNA��O, 1995, p.10). Habitando entre estas duas interpreta��es, assinalamos uma outra perspectiva sugerida pela hip�tese de SENNA-MARTINEZ (1998) que investe na din�mica da rela��o entre os "chefados" shona com o interface swahili como elemento detonador para a passagem �s formas estatais na �frica centro-oriental.
A hist�ria da ocupa��o do plateau do Zimbabwe obedece a tr�s n�veis iniciais que podemos resumir da seguinte forma: a primeira fase entre os s�culos II e III d. C � marcada pela presen�a aut�ctone dos ca�adores-colectores ancestrais dos actuais Kho� (Hotentotes) e San (Bosquimanos). Interferindo pouco na natureza dada as limita��es de suas ferramentas, estes s�o seguidos, j� entre os anos 200 e 400, pelas primeiras migra��es proto-bantos, compostas de comunidades portadoras de um modo de produ��o segment�rio-familiar, (vindas da �frica ocidental e da Regi�o dos Grandes Lagos) s�o dispersadas pela grande explos�o demogr�fica da Primeira Idade do Ferro e instalam-se nos locais mais prop�cios e favor�veis � agricultura (vales dos rios e regi�es de pluviosidade regular), progridem gra�as aos instrumentos de ferro e o ambiente favorece ainda na cria��o de gado menor, cabras e ovelhas. Paulatinamente � instala��o de novos assentamentos populacionais bantos, outros fluxos migrat�rios atravessam o Zambeze em dire��o ao sul e introduzem o gado. O casamento com as mulheres aut�ctones parece ser evidenciado pela arqueologia. Encarna��o defende a opini�o de que uma conjuga��o de fatores ambientais (ecossistema favor�vel), sociais (casamento com mulheres aut�ctones) e tecnol�gicos (dom�nio e uso da tecnologia do ferro) cedo favoreceram as condi��es ideais para que surgissem as estruturas de estado entre os shonas, pois a introdu��o do gado e a melhora na produ��o agr�cola, j� agora com a introdu��o dos instrumentos de ferro, proporcionariam a produ��o de um excedente e portanto favoreceriam uma acumula��o primitiva de riqueza, dado fundamental para a emerg�ncia de diferencia��es no interior de sociedades estatais. Tal vis�o � relativizada por Senna-Martinez que adverte que n�o obstante o gado bovino possa constituir uma base de acumula��o, existem limites �bvios � respectiva multiplica��o e gest�o desta acumula��o nomeadamente em comunidades onde tudo indica que a base da economia ter� permanecido uma agricultura de subsist�ncia. Dificilmente, pois, este tipo de recurso poder� servir de base a um crescimento sustentado, conducente, por si s�, a uma crescente complexiza��o social que atinja o n�vel estatal (SENNA-MARTINEZ, 1998, p.132). Ainda assim, Encarna��o afirma que os povos bantos da Idade do Ferro encontraram condi��es excepcionais para desenvolver uma cria��o de gado em grande escala e uma agricultura rica e variada e com a introdu��o de instrumentos de ferro puderam favorecer a produ��o de Stokes alimentares e por conseguinte de um excedente (ENCARNA��O,1995, p.42-43).
Numa segunda etapa �s novas forma��es sociais, a sociedade shona foi marcada por divis�es internas de car�ter estratificado, por diferencia��o de status: agricultores, pastores, metalurgistas, e a constitui��o de uma aristocracia que baseava seu poder no controle econ�mico exercido pela posse do gado; cedo a passagem aos contatos comerciais de longa dist�ncia com o mundo swahili, tamb�m em forma��o, e os implementos obtidos pelo com�rcio do ouro, inicialmente, e depois numa outra etapa marfim, trocando-os por objetos que tinham fun��es de bens de prest�gio (contaria, tecidos, cer�micas) fez aumentar o poder econ�mico da aristocracia shona. Apesar da presen�a desse com�rcio ser apontada j� no s�culo VII na interface swahili, pelas escava��es de Chibuene (SENNA-MARTINEZ, 1998, p.129) no s�culo XI o interc�mbio comercial entre o hinterland e o litoral j� se evidencia pela presen�a abundante de contaria �ndica.
Senna-Martinez aponta o per�odo que vai do s�culo VIII ao IX como o do desenvolvimento dos "chefados" e que seria, dentro de uma perspectiva da evolu��o, o est�gio anterior ao Estado propriamente dito. A organiza��o do chefado parece ser nota controversa entre arque�logos e etn�logos. Segundo alguns autores, um chefado � uma organiza��o social onde h� um cargo desempenhado pelo indiv�duo que exerce de forma permanente a autoridade pol�tica. Em muitos casos, os etn�logos teriam interesse em evitar o termo "chefado", que corre o risco de criar confus�es quando a fun��o pol�tica, aqui visada, � exercida temporariamente por um homem ou, coletivamente, por not�veis, um dos quais se limita a ser o porta voz de todos os outros. O acesso ao chefado pode ser feito por hereditariedade ou elei��o, sendo seu titular portador de uma s�rie de privil�gios econ�micos, cerimoniais e sexuais (PANNOF, Michel; PERRIN, Michel, 1973). H� uma base ideol�gica que justifica a presen�a do chefado conduzindo-o diretamente � sua ancestralidade. O indiv�duo, na estrutura do chefado, re�ne em si os poderes judicial, pol�tico e religioso. Susan McIntosh, em seu artigo �Beyond Chiefdoms� (1999) acena para uma interpreta��o mais ampla do conceito de poder - que est� ligado � ideia do chefado - e relativiza o papel desempenhado por um l�der numa sociedade de estrutura verticalizada apontando outras formas de distribui��o do poder que se operariam numa perspectiva horizontal onde as rela��es de poder envolveriam categorias de idade, sexo, descend�ncia e associa��o muitas das vezes em conjunto. Seus estudos, particularmente sobre Jenn�-Jeno, indicam que grandes assentamentos populacionais puderam acontecer sem que houvesse, todavia, um poder fortemente centralizado, e que mesmo quando ocorresse tal poder, outras for�as (como as sociedades secretas presentes em algumas comunidades), constituiriam um elemento desagredador do poder centralizado na figura de um l�der. Em rela��o, ainda, ao conceito de chefado, Jonathan Hass afirma que essa perspectiva evolucionista da literatura antropol�gica que coloca o chefado como antecedente imediato do Estado n�o pode ser aplicado para todos os casos, pois nem todos os casos se sucederam dessa forma, o exemplo citado pelo autor f�-lo acreditar que as dificuldades de se aceitar a sociedade Olmeca como estado se deve ao fato de que esta n�o evoluiu de um chefado, o autor tamb�m apresenta casos de chefados que n�o se tornaram estados. (HASS, 1982, p.212-213).
De qualquer forma, a no��o de poder coercitivo parece estar sempre presente na elabora��o da interpreta��o de sociedades complexas que evolu�ram para forma��es ou sistemas estatais. Hass define o Estado como uma sociedade estratificada em que uma elite exerce um controle sobre a produ��o ou o acesso aos recursos b�sicos, sendo que para isso precisa exercer uma forma coercitiva sobre o conjunto da sociedade. No entanto, n�o h� necessidade de que a estratifica��o tenha a obrigatoriedade de anteceder ao Estado, eles podem acontecer simultaneamente. Destaca alguns elementos que na sua opini�o s�o importantes para a emerg�ncia do Estado: l�der com poder, diferentes tipos de recursos, desenvolvimento de pol�cia e/ou ex�rcito, legitima��o ideol�gica. (HASS, 1982, p.173-74). Seguindo ainda sua defini��o do poder nas m�os do l�der, Hass afirma que tanto mais poderoso ser� ele quanto mais poderes diversificados ele puder ter, o que se traduziria na capacidade de limitar o acesso aos recursos naturais (subsistenciais) e aos recursos n�o-subsistenciais. Curiosamente, ele classifica o sal como sendo este tipo de recurso e relata um caso acontecido na Mesoam�rica. A falta do sal n�o mata mas, com o tempo, debilita substancialmente a sa�de do indiv�duo. Portanto, o acesso a esse produto � importante e torna-se mais um elemento diferenciador de fonte de poder. Encarna��o considera que todo o poder � coercitivo, mesmo se a coer��o for limitada �s press�es simb�lico-religiosas (ENCARNA��O, 1995, p.354).
Encarna��o relata um caso interessante sobre a g�nese da expans�o das linhagens aristocr�ticas shona em direc��o ao norte do planalto e a emerg�ncia da dinastia Monomotapa em meados do s�culo XV. Segundo o autor, a desagrega��o do Imp�rio do Grande Zimbabwe deveu-se a um conjunto de factores tais como esgotamento ecol�gico, lutas internas entre os grupos, lutas de aristocratas regionais para escapar aos tributos facilitadas pelas dificuldades de controle em raz�o das grandes dist�ncias e da concorr�ncia �rabe ao norte, seriam estes os fatores correlativos para a fal�ncia desta forma��o social (ENCARNA��O, 1995, p.225). Usando fontes escritas (Diogo de Alc��ova, Documentos sobre os Portugueses em Mo�ambique e na �frica Central 1497-1840) e orais (trabalho de recolha de fontes orais por D. P. Abraham, 1959) ele tenta um di�logo complementar entre essas duas fontes, pois ambas tratam da guerra que separou os reinos; mas o que nos interessa aqui � a fonte oral, a narra��o �Mhondoro do Mutota� que conta a origem das migra��es e do Monomotapa:
de acordo com nossos ancestrais, tudo se passou como se segue. Houve uma grande quantidade de guerras � Guruuswa (Gunuvutwa) e, uma falta cr�nica de sal. Mutota enviou um mensageiro pessoal, chamado Nyakatonje, (do muputo "totem" shumba) procurar novas minas de sal. Ele dirigiu-se em dire��o ao norte, atravessou as montanhas mavuradonha entre os Dande e atravessou o rio Mukumbura, chegando finalmente no pa�s Chedima, ao sul do Zambeze e a oeste do atual Tete. Localizou uma grande quantidade de minas de sal (mapare) sob o controle do Mhondoro Chivere; depois de oferecer presentes ao soberano local, Nyakatonje ganha um bloco de sal e uma mensagem, para levar ao Mutota: �Chiregerai Kudya matuzvi embudzi� (pare agora de comer fezes de cabras). Tal mensagem foi transmitida ao povo do mambo-chefe que n�o mais extraiu o sal das fezes de cabra sen�o em caso de urg�ncia (ENCARNA��O, 1995, p.232-233).
Outra vers�o do mesmo mito mostra uma pequena varia��o mas tudo parece indicar que a presen�a do sal corrobora a opini�o acima expressa por Hass sobre o controle das fontes de recursos. Ambos os autores parecem confluir para um entendimento sobre o papel do poder coercitivo, muito embora na perspectiva de Encarna��o as minas em quest�o poderiam indicar n�o a busca do sal, que poderia ser obtida em minas mais perto, ao sul, mas sobretudo indicaria a necessidade de fortalecer o controle sobre as minas de ouro e o controle das rotas comerciais em dire��o ao litoral.
O outro momento marcante na hist�ria do Estado shona, ou Estados shona depois de sua divis�o, se relaciona com seu contato com os portugueses. Muita documenta��o escrita foi produzida sobre esse per�odo (entre o final do s�culo XV ao XIX) percorrendo, portanto, o momento final de desagrega��o do antigo imp�rio e cobrindo a atua��o dos dois blocos: Chamgamine e Monomotapa. A hip�tese de Senna-Martinez sobre a a��o detonadora da interface swahili na passagem do chefado ao Estado pode ser verificada pelas documenta��es escritas pelos cronistas que enfatizam o desenvolvimento do com�rcio e o monop�lio das minas de ouro e de marfim pelas elites aristocr�ticas shona. No entanto, as rela��es entre os portugueses e tais estados produziram rupturas significativas do ponto de vista das estruturas sociais e econ�micas que acabaram por enfraquecer e mesmo liquidar os estados shona. Senna-Martinez aponta que a instala��o a partir dos s�culos XVI e XVII das feiras e dos prazos, vai acelerar a destrui��o do sistema de wealth-finance que constitu�a a base do poder dos chefes africanos do planalto Monomotapa (1998, p.137). Com afirma��o semelhante, do ponto de vista conceitual, Hass admite que a perda do controle econ�mico afeta a base do poder coercitivo e transfere a crise desse poder para as esferas ideol�gicas e sociais (1987, p.212) gerando uma esp�cie de autodestrui��o da estrutura de poder. Pensamento esse parcialmente compartilhado por Encarna��o cuja afirma��o sugere que a centraliza��o e a concentra��o do poder pol�tico conduz a centraliza��o e concentra��o do poder simb�lico. Por efeito, o monarca se torna sagrado e a sacralidade constitui o n� g�rdio da reprodu��o do modo de produ��o e das estruturas tribut�rias correlativas a um conjunto de uma forma��o social concreta. Segundo o autor, uma forma��o social determinada � um sistema, uma totalidade global, e uma modifica��o profunda em uma de suas inst�ncias provoca as modifica��es correlativas no conjunto. Assim procedendo, afirma que a inger�ncia estrangeira sobre a sociedade tribut�ria shona atrav�s de formas diferenciadas de com�rcio e da aliena��o da terra e das minas (que na cultura shona pertencia aos ancestrais) produziu uma ruptura na sua cosmogonia alienando-os tamb�m do sentido de seu mundo. A introdu��o de uma nova religi�o, estranha e abstrata � cultura shona veio ajudar a destruir a l�gica tribut�ria fazendo com que o edif�cio ru�sse.
Ao fim podemos admitir que as interpreta��es sobre a origem das forma��es ou sistemas estatais em �frica obedeceram a v�rios caminhos e a emerg�ncia do modelo Zimbabwe-Monomotapa atesta a din�mica das sociedades africanas na incorpora��o do novo em suas estruturas tradicionais. Talvez essa disponibilidade possa demonstrar em parte a hip�tese de Senna-Martinez para explicar a emerg�ncia do mundo swahili em si e sua direta rela��o com as popula��es do planalto shona que acabaram transformando-se em sociedades mais complexas com a cria��o do Estado. As pesquisas que pensam o Estado em sua pr�-hist�ria v�o buscar suas teorias � arqueologia e � etno-hist�ria basicamente. As ci�ncias pol�ticas e a antropologia ocupam-se das rela��es entre os grupos sociais e marcam o debate entre integra��o e conflito como assinala Hass. Uma atitude mais cuidadosa n�o assumiria uma posi��o afirmando se as sociedades shona chegaram ou n�o �s formas estatais via constitui��o de chefados ou se emergiram dentro de condi��es itegra��o/conflito. O que nos parece indicar os estudos dos s�tios arqueol�gicos nos levam a crer numa transforma��o das rela��es sociais atrav�s da introdu��o de novas din�micas comerciais em correla��o com transforma��es internas, e o Estado shona, em sua express�o Monomotapa � um exemplo dessa afirma��o. No entanto, o que parece mais sensato � reconhecer que os caminhos s�o muitos para explicar a organiza��o das sociedades complexas africanas.
Bibliografia
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