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Livro: |
O Imp�rio mar�timo portugu�s |
Autor(es): |
Charles Boxer |
Editora: |
Companhia das Letras |
Ano: |
2002 |
Nº de páginas: |
442 |
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Resultado de mais de quarenta anos de leitura, reflex�o e, principalmente, pesquisas em fontes prim�rias (manuscritas) de arquivos, "O Imp�rio mar�timo portugu�s: 1415-1825", do estudioso ingl�s Charles Ralph Boxer (1904-2000), publicado s� agora no Brasil, mant�m a atualidade de quando saiu � luz pela primeira vez, em 1969, na Inglaterra. Escrito a uma �poca em que a cita��o das fontes n�o era um requisito fundamental, o livro traz ao final a bibliografia das obras impressas consultadas, mas n�o a rela��o dos documentos compulsados em arquivos hist�ricos em Lisboa, Goa, Macau, Luanda, Bahia, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, o que n�o deixa de ser lastim�vel para os pesquisadores modernos.
O livro de Boxer - que, � �poca de sua publica��o, n�o agradou muito ao agonizante regime salazarista - se prop�e a explicar um paradoxo hist�rico: como um pa�s escassamente povoado, desprovido de uma frota significativa e de uma pra�a comercial de primeiro plano, p�de manter um vasto imp�rio ultramarino durante tanto tempo? Uma das explica��es, segundo Boxer, � que os portugueses, durante s�culos, demonstraram not�vel capacidade de sobreviver ao desgoverno vindo de cima e � indisciplina vinda de baixo. Para o autor, por�m, os portugueses, nesse per�odo, foram ajudados por alguns outros fatores.
Lembra Boxer que, em primeiro lugar, os inimigos dos portugueses no ultramar tinham dissens�es entre si ainda mais graves do que as suas, citando, por exemplo, o caso dos imanes Ya�arubi, que governaram Om� de 1624 a 1738 e viviam dilacerados por rixas e fac��es internas num grau quase nunca visto mesmo no mundo �rabe.
Outra raz�o importante, segundo o historiador, que levou os portugueses, quase sem recursos, a conservar t�o grande parcela de seu imp�rio oriental foi a sua inerente tenacidade e capacidade de recupera��o. Foi o que valeu aos lusos quando tiveram de competir n�o s� com formid�veis inimigos asi�ticos mas tamb�m com a vigorosa concorr�ncia comercial da Companhia das �ndias Orientais, a inglesa e a holandesa, muito mais ricas.
Explica Boxer que, por mais desastrosas que tenham sido muitas de suas derrotas em terra e no mar e por mais humilhantes que tenham sido as indignidades a que foram �s vezes submetidos em lugares como Macau e Madrasta, os portugueses no Oriente mantiveram-se sempre orgulhosamente conscientes do que consideravam o seu glorioso passado quinhentista. Os vassalos do rei portugu�s sempre se sentiram superiores aos mercadores das companhias comerciais europ�ias, por mais ricos que pudessem ser, e aos povos asi�ticos que haviam dominado, no �ndico, durante tanto tempo.
Boxer salienta ainda que a �decad�ncia� de Portugal, t�o lamentada naquele tempo e t�o enfatizada pelos historiadores, n�o foi evidente em todos os momentos e lugares, lembrando que houve intervalos de relativa calma e prosperidade. Para o autor, tanto a �poca dourada dos conquistadores seiscentistas como a pen�ria de muitos de seus descendentes tendem, numa vis�o retrospectiva, a ser exageradas. � verdade que, se sempre houve um povo numeroso e empobrecido em todos os redutos da �sia portuguesa, tampouco faltaram mercadores ricos e capit�es-generais pr�speros.
Essas explica��es de Boxer constituem o objetivo da primeira parte do livro. Na segunda, o historiador analisa as caracter�sticas do imp�rio: as institui��es, as alian�as inter�tnicas e os modos de organiza��o navais, mercantis, pol�ticos, culturais e religiosos que constitu�am os alicerces da presen�a portuguesa no ultramar.
No cap�tulo que dedica � discuss�o do Renascimento e do Iluminismo, Boxer repete a id�ia de que os dirigentes portugueses n�o tinham a menor inten��o de educar o povo, os brancos pobres, os trabalhadores de cor e os negros, escravos ou libertos, afirmando que o Brasil colonial era constitu�do principalmente de analfabetos. Para ele, o segredo da longevidade de Portugal como poder imperial era um singular arsenal de leis repressivas e obscurantistas, ajudado e apoiado por uma hist�rica alian�a com os ingleses.
Essa id�ia de Boxer, por�m, precisa de maior base documental, pois tem mais a apar�ncia de uma dessas generaliza��es comuns em nossa historiografia. Uma investiga��o feita pelo pesquisador brasileiro Nireu Oliveira Cavalcanti, em sua tese de doutoramento A cidade de S�o Sebasti�o do Rio de Janeiro: as muralhas, sua gente, os construtores (1710-1810), defendida em 1997 na Universidade Federal Fluminense e ainda in�dita em livro, mostra que, apesar do que contam livros de Hist�ria como este de Boxer, o Rio de Janeiro colonial estava longe de ser um burgo atrasado para os padr�es da �poca, embora, em muitos aspectos, pouco pudesse diferir dos portos da �frica, especialmente no que dizia respeito � sujeira e aos perigos representados pelo mal de bexigas.
Era, ao mesmo tempo, um povoado vibrante, que crescia a olhos vistos a ponto de, em 1808, quando a fam�lia real desembarcou, em fuga das tropas do general Junot, constituir a segunda mais importante cidade do mundo portugu�s. Entre 1754 a 1799, segundo dados compulsados no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, o historiador registrou a presen�a de 23 livreiros, al�m de dois teatros que apresentavam, tr�s vezes por semana, as melhores pe�as vindas da Corte - inclusive, de Shakespeare -, contando com m�sicos, artistas e artes�os de primeira linha.
Os m�dicos e cirurgi�es s� passavam a trabalhar depois de se submeterem a exames p�blicos. E a popula��o branca era altamente alfabetizada - nos cart�rios, 92% dos homens e 60% das mulheres sabiam assinar com clareza um documento, o que mostra que a tese de Boxer precisa ser melhor estudada.
� claro que esta obje��o em nada invalida a obra de Boxer, que, com justi�a, � considerado o maior especialista do ultramar lusitano. Nem diminui este "O imp�rio mar�timo portugu�s: 1415-1825", h� muito tempo transformado em cl�ssico da historiografia sobre Portugal e suas col�nias. E que chega, enfim, �s m�os do leitor brasileiro.
Adelto Gon�alves
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