Racismo e discrimina��o racial no Brasil: um estudo sobre a exclus�o do negro na propaganda |
Roberto Carlos Sim�es Galv�o
|
|
|
Historiadores afirmam que por volta do ano 1548 teve in�cio o desembarque dos escravos negros no Brasil. Trazidos da �frica pelos navios negreiros, os escravos suportavam toda sorte de viol�ncia e priva��o. A viol�ncia cultural se deu posteriormente pela imposi��o de costumes ocidentais, catecismo jesu�ta, idioma portugu�s, tudo em detrimento da cultura pr�pria do povo negro, seus costumes, dialetos, sua maneira de ser e de pensar, suas cren�as religiosas, etc.
A Lei �urea promulgada s�culos ap�s, em 13 de maio de 1888, n�o prop�s qualquer indeniza��o aos negros em raz�o dos danos f�sicos e morais a eles infringidos. Tampouco os negros foram levados de volta para a �frica, a fim de se reintegrarem com seus antepassados. A liberta��o dos escravos, da maneira como foi feita, imp�s aos negros a condi��o do mais completo abandono. Os ex-escravos tiveram que se reorganizar sozinhos. Ainda hoje � vis�vel o resultado de s�culos de escravid�o e posterior abandono imposto �quele povo.
Em 2003, quando se comemorou os 115 anos da aboli��o da escravatura no Brasil, a discrimina��o racial contra os negros continua se manifestando em todos os segmentos sociais do pa�s. Novas e diferentes formas de explora��o humana foram adotadas ao longo dos s�culos. In�meras pesquisas demonstram a situa��o de inferioridade econ�mica e social dos negros em rela��o aos brancos. J� foi evidenciado, por exemplo, que afro-descendentes - cerca de 73 milh�es no pa�s - raramente ocupam cargos de chefia ou recebem sal�rios iguais ou melhores que seus colegas brancos em cargos e circunst�ncias semelhantes. Na universidade o negro � presen�a rara. H� uma falsa democracia racial no Brasil, o que p�e por terra o discurso do pa�s onde as diferen�as raciais convivem em perfeita harmonia. Entre n�s a condi��o do negro sempre esteve associada � mis�ria e � criminalidade.
A pr�pria express�o �negro� em refer�ncia a uma determinada etnia, exp�e uma generaliza��o que reflete o descaso hist�rico pela cultura de um povo. Da mesma forma como distinguimos os brancos em subgrupos �tnicos (latinos, eslavos, germ�nicos, etc.) dever�amos nos referir aos nag�s, bantos, fulas, etc, em alus�o �s diferentes origens �tnico-lingu�sticas dos afro-descendentes. Nem mesmo os pa�ses africanos (Mo�ambique, Congo, Angola, Togo, Cabo Verde, etc.) de onde se originaram os negros brasileiros, s�o lembrados na cultura nacional.
A hist�ria do negro lamentavelmente n�o � estudada nas escolas, e com isto a Lei 10.639 de janeiro de 2003, que torna obrigat�rio o ensino de temas sobre a cultura afro-brasileira, n�o vem sendo cumprida no pa�s.
As religi�es de origem africana como o Candombl� e a Umbanda tamb�m s�o frequentemente discriminadas no Brasil. Em uma pesquisa realizada pelo Centro de Direitos Humanos �Antonio dos Tr�s Reis� em Apucarana (PR), constatou-se que 65% dos entrevistados - em um rol de 100 indiv�duos - associaram �s palavras Candombl� e Umbanda, valores como: malandragem, desonestidade, mis�ria e subcultura; sendo que apenas 35% dos entrevistados assinalaram valores como erudi��o, honestidade e riqueza como associados �s pr�ticas religiosas de origem africana.
A pesquisadora L�dia Cunha, estudiosa da quest�o racial na Universidade Federal de Pernambuco, afirma que �quando se perde o contato com seus antepassados e se � bombardeado diariamente com not�cias negativas sobre eles e seu continente, a tend�ncia � negar suas origens e acabar se afastando�. Em raz�o dessa cultura racista muitos negros se autodenominam pardos quando questionados a respeito de cor ou ra�a, como comprova o �ltimo recenseamento do IBGE. Somos a segunda maior popula��o afro-descendente do planeta e isso parece ignorado pelo governo e por toda a sociedade.
Nesse contexto racista, o h�bito de raspar o cabelo, adotado por um n�mero crescente de homens de origem negra, muitos deles bem sucedidos economicamente, poder� estar refletindo uma pretens�o em negar a ra�a � qual pertencem. O cabelo encarapinhado � pr�prio da ra�a negra discriminada pelo racismo e associada � pobreza. A condi��o de negro se faz vis�vel em raz�o de caracteres fenot�picos pr�prios da ra�a. Alterar a pr�pria fisionomia �, em alguns casos, o reflexo da baixa auto-estima dos negros, fruto do racismo que impera na sociedade em que vivem. O caso do astro norte-americano Michael Jackson parece ser o melhor exemplo disso.
�O racismo explica em parte por que a elite brasileira � esmagadoramente branca�, diz Melissa Nobles pesquisadora americana da quest�o racial no Brasil e nos Estados Unidos.
A hist�ria nos revela que a capoeira, pr�tica desportiva trazida pelos escravos negros, tamb�m sempre foi alvo de discrimina��o. Sabe-se que de 1890 a 1937, a capoeira era crime previsto pelo C�digo Penal. Quem fosse pego brincando capoeira poderia pegar de dois meses a tr�s anos de pris�o. Em 1937 o ent�o presidente Get�lio Vargas assinou um decreto descriminalizando a referida luta.
Atualmente a Lei 7.716 de 05 de janeiro de 1989 define os crimes resultantes de preconceitos de ra�a e de cor. A iniciativa da lei � v�lida e necess�ria, por�m pouco alterou a realidade do negro na esfera social brasileira. H� uma cultura racista impl�cita nas rela��es sociais do pa�s. Isso vem representando uma barreira severa diante de quase tudo o que � feito para superar o preconceito. O maior exemplo est� no esfor�o do governo em estabelecer cotas para negros nas universidades p�blicas. A id�ia cont�m suas imperfei��es, todavia deve ser discutida por representar algo de concreto feito em benef�cio de uma classe historicamente exclu�da.
O Brasil possui, como dissemos, uma das maiores popula��es negras do mundo - cerca de 45% dos habitantes s�o negros ou afro-descendentes, segundo dados do IBGE. Ainda assim, apenas 1% deles frequentam o ensino superior. O acesso privilegiado de negros a universidades p�blicas est� esbarrando em forte resist�ncia dentro e fora das academias.
O professor Jairo Pacheco, da Universidade Estadual de Londrina, em artigo publicado pelo jornal Terra Vermelha, afirmou que �a nega��o a discutir formas inovadoras de promo��o de inclus�o social via acesso ao ensino superior, significa aferrar-se ao argumento meritocr�tico de acesso dos mais capazes, sem questionar as condi��es objetivas de oferta de condi��es equ�nimes para que as �capacidades� se desenvolvam em todos os segmentos da sociedade�.
A maior prova da exclus�o e da invisibilidade do negro no Brasil est�, entretanto, nos meios de comunica��o, sobretudo no publicit�rio. Um estudo realizado pelo produtor de TV Joel Zito Ara�jo, sobre a participa��o de atores e atrizes negros em novelas das redes de TV Globo e Tupi entre 1964 e 1997, concluiu que 71 fizeram pap�is de empregadas dom�sticas, 66 foram escravos, apenas um foi m�dico e dois atuaram como engenheiros.
Em uma pesquisa que realizamos junto � Universidade Norte do Paran�, foi constatado que nos reclames publicit�rios veiculados diretamente em r�tulos de mercadorias comercializadas em supermercados, n�o � poss�vel encontrar imagens, fotografias ou gravuras de pessoas negras ou afro-descendentes. Em embalagens de leite em p�, achocolatados, shampoo, sabonetes, creme dental, amaciante de roupas, fraldas, etc, o comum � aparecer pessoas de pele clara. Onde est�o os negros? Lamentavelmente n�o h� no Brasil uma lei ou regulamenta��o que determine cotas de negros em publicidade.
Na pesquisa mencionada foram catalogadas mercadorias de circula��o nacional vendidas em diferentes supermercados da regi�o norte do Paran�, e que apresentavam, no r�tulo da embalagem, imagem de pessoas. Em seguida relacionou-se quantos e quais eram os produtos que traziam imagens de pessoas brancas e/ou negras nos seus respectivos r�tulos. Constatou-se que pessoas de cor negra aparecem, isoladamente, apenas em produtos dirigidos a afro-descendentes. A presen�a do negro foi constatada ainda quando a mercadoria trazia no r�tulo imagens de pessoas de diferentes etnias em conjunto: negro, branco, eslavo, amarelo, etc. Em 100% dos r�tulos das mercadorias sem refer�ncia � etnia, aparecem imagens de pessoas brancas, exclusivamente.
Considerando que o Brasil possui uma das maiores popula��es negras do mundo � 45% de habitantes negros ou afro-descendentes � a conclus�o da pesquisa traduz a exclus�o �tnica e denuncia o preconceito racial.
Para concluir lembremo-nos das palavras do l�der Nelson Mandela no dia de sua posse como primeiro presidente negro eleito na �frica do Sul: �Devemos construir uma sociedade na qual todos, negros e brancos, poder�o andar de cabe�a erguida, certos de seu inalien�vel direito � dignidade humana�. Que assim seja tamb�m no Brasil.
Refer�ncias
ALMEIDA, F. B. Teoria geral dos direitos humanos. Porto Alegre: S�rgio Fabris, 1996.
AZEVEDO, Thales de. Democracia racial. Petr�polis: Vozes, 1975.
BENTO, M.A. Psicologia social do racismo. Petr�polis: Vozes, 2002.
GIORDANI, M�rio Curtis. Hist�ria da �frica. Petr�polis: Vozes, 1985.
GUIMAR�ES, A. S. Classes, ra�as e democracia. S�o Paulo: Ed. 34, 2002
KENSKI, R. Vencendo na ra�a. Super Interessante. S�o Paulo, ed.187, p.42-50, abr. 2003.
VALLOIS, Henri. As ra�as humanas. S�o Paulo: Difus�o Europ�ia, 1954.
|
|
|