Atualizado em 21 de mar�o de 2004
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Ensaios e Artigos

Para que serve a Hist�ria?


Rog�rio Rezende Pinto

"Ignorar ... o que aconteceu antes de termos nascido equivale a ser sempre crian�a." C�cero (106 - 43 a. C.), Do Orador, XXXIV

"O tempo � a minha mat�ria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente." Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987), M�os dadas IN: Sentimento do Mundo.


Imagine-se surgindo no mundo hoje. Agora, neste instante. Do jeito que voc� �. Da forma como voc� pensa. Imagine que ao surgir neste instante no mundo, voc� pudesse ter uma vida bem parecida com a que voc� j� possui. Voc� apareceria hoje, agora, pronto do jeitinho que voc� �. Uma das diferen�as b�sicas seria a de que todos os seus amigos n�o terem consci�ncia de onde vinham, onde estudaram antes da atual escola, quem s�o os seus pais (e irm�os e irm�s, e tios e tias, etc.). Que filmes viram na TV ou no cinema, quais as partidas de futebol mais gostaram de assistir no �ltimo campeonato. Qual a novela mais engra�ada, qual o livro que mais gostou de ler, etc., etc. Ou seja, tudo o que voc� experimentou antes de estar aqui, agora, lendo este texto, suas experi�ncias pessoais de vida seriam desconsideradas. Seriam inexistentes. Afinal, voc� acabou de surgir neste mundo!


Voc� n�o ficaria curioso para saber quem foi o seu pai e a sua m�e? E os irm�os e irm�s? Voc� n�o gostaria de saber como eles s�o ou como foram quando menores? � claro que isso � imposs�vel de acontecer! Voc� j� deve estar pensando assim. Mas, supondo que algum cientista, atendendo a um pedido seu, resolvesse clon�-lo para que, em uma situa��o qualquer, voc� pudesse estar em dois lugares ao mesmo tempo. Ser� que esse outro voc� nasceria pensando igualzinho a voc�? Ser� que esse novo ser, nascido sem nenhuma experi�ncia de vida, sem viv�ncia, seria realmente um "outro eu"? Biologicamente, fisicamente, talvez sim; mas no car�ter e na mentalidade, muito dif�cil.


Pois ent�o, se no plano pessoal surgiriam essas entre outras milhares de quest�es, o que pensar, ent�o, quando o assunto gira em torno de se saber sobre a origem, a forma��o, de uma sociedade inteira? Com certeza as quest�es que surgiriam seriam bem mais profundas. Bem mais dif�ceis de responder. Quais as curiosidades que os diversos agrupamentos humanos t�m sobre si? Que necessidades t�m em fixar o passado? Afinal, se uma pessoa se questionaria tanto sobre como ela � (que � o fruto direto de um processo de como ela foi) o que n�o ser�, ent�o, de um grande n�mero de pessoas querendo saber do seu agrupamento social.


A sua hist�ria pessoal � a hist�ria das transforma��es vivenciadas por voc�. Sejam elas no plano pessoal, familiar ou social.


S� quando olhamos para tr�s, � que percebemos como n�s mudamos (sejam mudan�as externas ou internas). O mesmo vale para a sociedade (a diferen�a � de que na sociedade tem-se v�rios grupos que lutam e defendem o seu ponto de vista. � �bvio que os mais conscientes e organizados acabam por impor a sua forma de pensar e de valorizar a pr�pria sociedade). Ao observarmos algo que mudou e n�o nos agrada, tentamos impedir que o processo em curso continue. Se nos agrada, procuramos facilitar que o processo continue e tentamos refor��-lo. Assim � tamb�m na(s) sociedade(s). Somente quando nos voltamos para o passado social � que se pode ter a expectativa de entendermos o que somos e por que somos de tal forma. S� assim identificamos o que � necess�rio mudar e o que � preciso ser refor�ado.


Voc� j� deve ter escutado, em certas situa��es, uma c�lebre frase que diz aproximadamente assim: "Isso � assim, sempre foi assim, desde que o mundo � mundo. E vai continuar assim. Nunca vai mudar!" Pois �, entretanto, o tempo hist�rico � diferente do tempo cronol�gico do nosso dia-a-dia. Se as coisas jamais mudassem, ent�o, estar�amos em uma fase exatamente igual ao do primeiro dia, do primeiro homem do per�odo pr�-hist�rico. Nada realmente teria mudado desde ent�o. Na verdade h� mudan�as no per�odo hist�rico que levam anos para ocorrer, outras podem levar algumas d�cadas, h� aquelas que podem levar s�culos para se fazerem notar. Outras podem chegar a levar mais de um mil�nio para se conclu�rem. Essas mudan�as hist�ricas, devido a esses per�odos de tempo que, para n�s, s�o demasiados longos, para o homem comum, nem sempre s�o percept�veis no cotidiano. Outras mudan�as se fazem mais r�pidas e radicais (principalmente, nestes tempos em que vivemos).(1) Podem ou provocam modifica��es e questionamentos quase que imediatos. A clonagem de seres vivos, o transplante de �rg�os s�o acontecimentos que levaram as pessoas a questionarem o mundo que vivem, os seus valores e o que desejam para o seu futuro. Da mesma forma, valem os exemplos do "descobrimento" do Novo Mundo (que modificou, radicalmente, a vida das sociedades presentes em pelo menos tr�s continentes: o americano, o europeu e o africano) ou da Segunda Guerra Mundial. Esses foram respons�veis por mudan�as que atingiram a vida quotidiana das pessoas. Transformaram a pol�tica, a economia, a cultura, a geografia, a demografia, as pr�prias sociedades, enfim.


S� o tempo hist�rico permite e oferece a possibilidade de uma an�lise da sociedade que se precisa estudar. Para voc�, para a sua vida, qualquer atividade que demande um tempo de, por exemplo, tr�s meses, ser� uma enormidade de dias. Para algu�m com 50 anos, por exemplo, tr�s meses n�o ser� tanto tempo assim. Para a Hist�ria o que seriam 50 anos no universo do tempo da pr�pria Hist�ria da Humanidade? Isso para n�o citarmos os tr�s meses � que para voc� pode ser tanto tempo.


O tempo hist�rico n�o se prende ao calend�rio di�rio ou aos ponteiros do rel�gio. O tempo hist�rico � o pr�prio desenvolvimento do percurso que a humanidade fez at� o presente momento. Em outras palavras, o tempo hist�rico � o que chamamos de "processo hist�rico". � desse processo hist�rico que podemos obter esclarecimentos sobre a forma de agir e pensar de uma sociedade em um momento hist�rico espec�fico. Coloquemos isso de outra forma e exemplifiquemos. Voc� estudar� Hist�ria do Brasil. Se voc� quer saber sobre a nossa origem, os seus estudos iniciariam-se em 22 de abril de 1500, certo? N�o, responderiam alguns. Talvez, diriam outros. Em parte, responderiam mais alguns. Por qu�? Porque a Hist�ria, que hoje n�s chamamos de Brasil, est� ligada ao desenvolvimento da pr�pria hist�ria de Portugal e Espanha, daquele contexto hist�rico de fins do s�culo XV, do momento vivido pelas pessoas daquela �poca. O que elas queriam? Pra que precisavam de certas coisas? Como pensavam? Por que agiam ou agiram de uma ou de outra maneira? E, principalmente, quais as conseq��ncias do modo de viver da sociedade daquele per�odo? Como se desenrolou? Essas e outras perguntas possibilitam ao estudioso daquele per�odo hist�rico a compreender o passado e as causas para a constru��o da futura sociedade e cultura brasileira. Essa situa��o de investiga��o do processo hist�rico, de uma determinada sociedade, em um momento espec�fico, talvez, fique ainda mais claro para voc� poder compreender o que precisamos transmitir, se fizermos uma compara��o simplificada. Se algu�m perguntasse a voc� quando come�ou a hist�ria da sua vida, rapidamente, voc� pensaria e responderia � No dia em que nasci! ("No dia tal, do m�s tal, do ano tal"). Correto!? Ser� mesmo?! Ser� que de certo modo a sua hist�ria n�o tem uma estreita liga��o com a do seu pai e da sua m�e? A sua hist�ria pode at� ter come�ado na data do seu natal�cio, mas n�o se pode ignorar, totalmente, a hist�ria dos seus pais. Pense nisso!


Nossa! Voc� responderia, em rela��o ao exemplo anterior. E diria que assim essa hist�ria n�o teria mais fim. Primeiro iria para a do pai e da m�e, depois para os av�s e bisav�s e, assim, sucessivamente at� chegar a �pocas imemoriais. � uma "linha" sem fim. E � isso mesmo. Uma "linha" que se perde em um passado, imensamente, distante e que principia em um infinito desconhecido. Por�m, temos que ressaltar que a Hist�ria n�o pode ser exatamente exemplificada como se fosse uma linha reta, ligando um passado long�nquo � atualidade. A "linha" da Hist�ria est� cheia de "altos e baixos", "idas e vindas", "recuos e avan�os", "desvios", "buracos", e at� mesmo com rupturas de continuidade (que �, por exemplo, quando uma sociedade necessitou fazer uma mudan�a radical em sua estrutura para continuar existindo ou mesmo quando foi substitu�da por uma nova sociedade, uma nova mentalidade). Na verdade, essa "linha" da Hist�ria inexiste, isto �, ela n�o existe. � apenas um exemplo did�tico para melhor compreens�o do pr�prio processo hist�rico.


A fun��o da Hist�ria � a de fornecer � sociedade (�s pessoas) as explica��es de suas origens. Como diz Vavy Pacheco Borges (1986, p.46), a Hist�ria busca oferecer �s pessoas uma explica��o gen�tica da sua forma��o e consolida��o.


A hist�ria das sociedades � feita pelos pr�prios homens que vivem naquela sociedade e naquele tempo hist�rico.


Voc� n�o deve e n�o pode confundir a hist�ria do Universo, a hist�ria da Natureza, a hist�ria da Terra, com a hist�ria social. Como voc� pode perceber, tudo tem uma hist�ria, um passado: um processo de transforma��o. A diferen�a entre a hist�ria do Universo e a hist�ria do Brasil � a de que, a do Brasil quem faz s�o as pessoas que em sua grande maioria vivem em um espa�o geogr�fico denominado de Brasil. � verdade que nem sempre esses agentes hist�ricos (as pessoas) est�o atuando de forma consciente. Nem sempre os homens t�m a capacidade de saber o que acontecer� se agirem de uma ou de outra maneira. Mas � certo que a rea��o ou n�o das outras pessoas ao que fizeram ser� a continuidade do processo hist�rico anterior.


Ao estudar o passado, o historiador n�o busca na verdade encontrar um elemento s�ntese para explicar toda a hist�ria da humanidade. Isso ainda � considerado uma utopia.(2) N�o existe homogeneidade na Hist�ria. Cada povo, cada civiliza��o, cada cultura, de cada tempo e �pocas diversas tem sua hist�ria pr�pria. Se de dois irm�os criados pelos mesmos pais, em uma fam�lia, em uma mesma casa, diz-se que n�o s�o iguais, tente imaginar sociedades diferentes em uma mesma �poca ou em �pocas diferentes.


Na verdade, um dos objetivos da Hist�ria � o de se estudar o passado, buscando as explica��es para se entender o tempo hist�rico presente. E at� quem sabe, apontar poss�veis tend�ncias para o futuro. Isso se deve pelo fato de que o historiador, al�m de ser fruto do seu tempo, sabe e tem consci�ncia de que o homem, enquanto indiv�duo, vive em um preciso tempo hist�rico, em um determinado contexto social e num dado espa�o f�sico-geogr�fico. (� claro que n�o � s� o historiador que porta essa consci�ncia. Existem outros indiv�duos que possuem esta vis�o e que n�o s�o necessariamente historiadores). Em s�ntese, o homem tem consci�ncia de ser um ser hist�rico, temporal e finito. Ao historiador compete o estudo da forma de interagir desse homem com a natureza e com os outros homens. Ao perguntar: O qu�? Quando? Por qu�? Como? Para qu�? Onde? sobre o per�odo hist�rico daquele homem (ou sociedade) abordado, o historiador vai entendendo melhor o passado e o seu presente. E que, a partir das suas observa��es e conclus�es, possam apontar diretrizes, planejar melhor o futuro. S�o por causas dessas � e de outras perguntas ou interesses � que a Hist�ria �, constantemente reescrita, reelaborada. Isso, porque cada �poca, cada sociedade hist�rica tem uma preocupa��o e questionamentos que a diferem de suas antecessoras.


Ao estudar a Hist�ria, voc� vai adquirindo consci�ncia da exist�ncia de for�as transformadoras e din�micas dentro das sociedades. S�o for�as que impedem uma sociedade de ser imut�vel ("Desde que o mundo � mundo, as coisas sempre foram assim e sempre ser�o". Lembra-se?). Voc� ver� que tudo se transforma e tudo pode mudar. Seja no plano pessoal ou no coletivo, as pessoas est�o sempre buscando a felicidade, a seguran�a e o bem estar.


� bom voc� saber que a Hist�ria n�o � algo perfeito, pronto e acabado. Ela � produto de um processo que est� sempre em desenvolvimento, em constru��o. � din�mica! Est�, constantemente, sendo reelaborada. Enfim, Hist�ria � uma ci�ncia que tem preocupa��o com o homem, com o seu trabalho, com a sua maneira de viver, com o seu relacionamento com os outros homens e com a natureza. Sempre objetivando compreender melhor o presente. � como disse Carlos Drummond de Andrade "O tempo � a minha mat�ria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente." A Hist�ria � a a��o transformadora dos homens em seu espa�o social, em seu tempo.


Ao ter consci�ncia hist�rica, consci�ncia da din�mica social, voc� ser� mais um capacitado a procurar entender o seu tempo, a sua �poca. Voc� ter� mais condi��es de entender e participar das transforma��es da sua sociedade. Da busca de um mundo melhor e mais justo.



Notas

(1) A aldeia global, a globaliza��o, se faz muito presente e forte na atualidade. Gra�as � presen�a da imprensa, seja ela jornal, TV ou r�dio e mesmo da internet, faz com que rapidamente um acontecimento que ocorra em qualquer ponto do planeta, esteja em sua casa, ao vivo, no mesmo instante em que est� se desenrolando.

(2) O termo utopia pode ser entendido como uma situa��o ideal desejada e que se busca alcan�ar. � como algo que no momento se apresenta como irrealiz�vel, mas que os objetivos visam tornar um desejo em algo concreto.


Bibliografia

BORGES, Vavy Pacheco. O que � Hist�ria. 11.ed. S�o Paulo: Brasiliense, 1986.

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